quinta-feira, 13 de novembro de 2008

TESES SOBRE FEUERBACH


KARL MARX

Escrito por Marx na primavera de 1845. Publicado pela primeira vez por Engels, em 1888, como apêndice à edição em livro da sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica, Estugarda 1888, pp. 69-72.

1. A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de Feuerbach incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível são tomados apenas sobre a forma do objeto [dês Objekts] ou da contemplação [Anschauung]; mas não [são tomados] como atividade sensível humana, praxes, não subjetivamente. Por isso aconteceu que o lado ativo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - mas apenas abstratamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a atividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objetos [Objekte] sensíveis realmente distintos dos objetos do pensamento; mas não toma a própria atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera, por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a praxe é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não compreende, por isso, o significado da atividade "revolucionária", de crítica prática.

2.A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na praxe que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da praxe é uma questão puramente escolástica.

3. A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen). A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida como praxes revolucionante.

4. Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo no mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste em resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato de esta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino autônomo, nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela autodivisão e pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto, depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente criticada e praticamente revolucionada.

5. Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao conhecimento sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo sensível como atividade humana sensível prática.

6. Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o conjunto das relações sociais. Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si e a pressupor um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele, por isso, a essência humana só pode ser tomada como "espécie", como generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os muitos indivíduos.

7.Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um produto social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma determinada forma de sociedade.

8. A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na praxe humana e no compreender desta praxe.

9. O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende Materialismus] consegue, isto é, o materialismo que não compreende o mundo sensível como atividade prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos isolados na "sociedade civil".

10. O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de vista do novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade socializada.

11. Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.

AS TRÊS FONTES E AS TRÊS PARTES...


Constitutivas do Marxismo
V. I. Lénine
Março de 1913


Fonte: The Marxists Internet Archive

A doutrina de Marx suscita em todo o mundo civilizado a maior hostilidade e o maior
ódio de toda a ciência burguesa (tanto a oficial como a liberal), que vê no marxismo uma espécie de "seita perniciosa". E não se pode esperar outra atitude, pois, numa
sociedade baseada na luta de classes não pode haver ciência social "imparcial". De umaforma ou de outra, toda a ciência oficial e liberal defende a escravidão assalariada, enquanto o marxismo declarou uma guerra implacável a essa escravidão. Esperar que a ciência fosse imparcial numa sociedade de escravidão assalariada seria uma ingenuidadetão pueril como esperar que os fabricantes sejam imparciais quanto à questão daconveniência de aumentar os salários dos operários diminuindo os lucros do capital.
Mas não é tudo. A história da filosofia e a história da ciência social ensinam com toda aclareza que no marxismo não há nada que se assemelhe ao "sectarismo", no sentida de uma doutrina fechada em si mesma, petrificada, surgida à margem da estrada real do desenvolvimento da civilização mundial. Pelo contrário, o gênio de Marx resideprecisamente em ter dado respostas às questões que o pensamento avançado da humanidade tinha já colocado. A sua doutrina surgiu como a continuação direta e
imediata das doutrinas dos representantes mais eminentes da filosofia, da economia
política e do socialismo.
A doutrina de Marx é onipotente porque é exata. É completa e harmoniosa, dando aos
homens uma concepção, integral do mundo, inconciliável com toda a supertição, com
toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa. O marxismo é o sucessor
legítimo do que de melhor criou a humanidade no século XIX: a filosofia alemã, a
economia política inglesa e o socialismo francês.
Vamos deter-nos brevemente nestas três fontes do marxismo, que são, ao mesmo tempo,
as suas três partes constitutivas.

I

A filosofia do marxismo é o materialismo. Ao longo de toda a história moderna da
Europa, e especialmente em fins do século XVIII, em França, onde se travou a batalha
decisiva contra todas as velharias medievais, contra o feudalismo nas instituições e nas idéias, o materialismo mostrou ser a única filosofia conseqüente, fiel a todos os ensinamentos das ciências naturais, hostil à superstição, à beatice, etc. Por isso, os inimigos da democracia tentavam com todas as suas forças "refutar", desacreditar e caluniar o materialismo e defendiam as diversas formas do idealismo filosófico, que se reduz sempre, de um modo ou de outro, à defesa ou ao apoio da religião.
Marx e Engels defenderam resolutamente o materialismo filosófico, e explicaram
repetidas vezes quão profundamente errado era tudo quanto fosse desviar-se dele. Onde
as suas opiniões aparecem expostas com maior clareza e pormenor é nas obras de
Engels Ludwig Feuerbach e Anti-Dübring, as quais - da mesma forma que o Manifesto
Comunista - são os livros de cabeceira de todo o operário consciente.
Marx não se limitou, porém, ao materialismo do século XVIII; pelo contrário, levou
mais longe a filosofia. Enriqueceu-a com as aquisições da filosofia clássica alemã,
sobretudo do sistema de Hegel, o qual conduzira por sua vez ao materialismo de
Feuerbach. A principal dessas aquisições foi a dialética, isto é, a doutrina do
desenvolvimento na sua forma mais completa, mais profunda e mais isenta de
unilateralidade, a doutrina da relatividade do conhecimento humano, que nos dá um
reflexo da matéria em constante desenvolvimento. As descobertas mais recentes das
ciências naturais - o rádio, os elétrons, a transformação dos elementos - confirmaram de maneira admirável o materialismo dialético de Marx, a despeito das doutrinas dos filósofos burgueses, com os seus "novos" regressos ao velho e podre idealismo.
Aprofundando e desenvolvendo o materialismo filosófico, Marx levou-o até ao fim e
estendeu-o do conhecimento da natureza até o conhecimento da sociedade humana. O
materialismo histórico de Marx é uma conquisto formidável do pensamento científico.
Ao caos e à arbitrariedade que até então imperavam nas concepções da história e da
política, sucedeu uma teoria científica notavelmente integral e harmoniosa, que mostra como, em conseqüência do crescimento das forças produtivas, desenvolve-se de uma forma de vida social uma outra mais elevada, como, por exemplo, o capitalismo nasce do feudalismo.
Assim, como o conhecimento do homem reflete a natureza que existe independentemente dele, isto é, a matéria em desenvolvimento, também o conhecimento social do homem (ou seja: as diversas opiniões e doutrinas filosóficas, religiosas,
políticas, etc.) reflete o regime econômico da sociedade. As instituições políticas são a superestrutura que se ergue sobre a base econômica. Assim, vemos, por exemplo, como as diversas formas políticas dos Estados europeus modernos servem para reforçar a dominação da burguesia sobre o proletariado.
A filosofia de Marx é o materialismo filosófico acabado, que deu à humanidade, à
classe operaria sobretudo, poderosos instrumentos de conhecimento.

II

Depois de ter verificado que o regime econômico constitui a base sobre a qual se ergue a superestrutura política, Marx dedicou-se principalmente ao estudo deste regime econômico. A obra principal de Marx, O Capital, é dedicada ao estudo do regime
econômico da sociedade moderna, isto é, da sociedade capitalista. A economia política clássica anterior a Marx tinha-se formado na Inglaterra, o país
capitalista mais desenvolvido. Adam Smith e David Ricardo lançaram nas suas
investigações do regime econômico os fundamentos da teoria do valor-trabalho. Marx
continuou sua obra. Fundamentou com toda precisão e desenvolveu de forma
conseqüente aquela teoria. Mostrou que o valor de qualquer mercadoria é determinado
pela quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário investido na sua produção.
Onde os economistas burgueses viam relações entre objetos (troca de umas mercadorias
por outras), Marx descobriu relações entre pessoas. A troca de mercadorias exprime a
ligação que se estabelece, por meio do mercado, entre os diferentes produtores. O
dinheiro indica que esta ligação se torna cada vez mais estreita, unindo
indissoluvelmente num todo a vida econômica dos diferentes produtores. O capital
significa um maior desenvolvimento desta ligação: a força de trabalho do homem torna-
se uma mercadoria. O operário assalariado vende a sua força de trabalho ao proprietário de terra, das fábricas, dos instrumentos de trabalho. O operário emprega uma parte do dia de trabalho para cobrir o custo do seu sustento e de sua família (salário); durante a outra parte do dia, trabalha gratuitamente, criando para o capitalista a mais-valia, fonte dos lucros, fonte da riqueza da classe capitalista.
A teoria da mais-valia constitui a pedra angular da teoria econômica de Marx.
O capital, criado pelo trabalho do operário, oprime o operário, arruína o pequeno patrão e cria um exercito de desempregados. Na indústria, é imediatamente visível o triunfo da grande produção; mas também na agricultura deparamos com o mesmo fenômeno: aumenta a superioridade da grande exploração agrícola capitalista, cresce o emprego de maquinaria, a propriedade camponesa cai nas garras do capital financeiro, declina e arruína-se sob o peso da técnica atrasada. Na agricultura, o declínio da pequena produção reveste-se de outras formas, mais esse declínio é um fato indiscutível.
Esmagando a pequena produção, o capital faz aumentar a produtividade do trabalho e
cria uma situação de monopólio para os consórcios dos grandes capitalistas. A própria
produção vai adquirindo cada vez mais um caráter social - centenas de milhares e
milhões de operários são reunidos num organismo econômico coordenado - enquanto
um punhado de capitalistas se apropria do produto do trabalho comum. Crescem a
anarquia da produção, as crises, a corrida louca aos mercados, a escassez de meios de subsistência para as massas da população.
Ao fazer aumentar a dependência dos operários relativamente ao capital, o regime
capitalista cria a grande força do trabalho unido.
Marx traçou o desenvolvimento do capitalismo desde os primeiros germes da economia
mercantil, desde a troca simples, até às suas formas superiores, até à grande produção.
E de ano para ano a experiência de todos os países capitalistas, tanto os velhos como os novos, faz ver claramente a um numero cada vez maior de operários a justeza desta doutrina de Marx.
O capitalismo venceu no mundo inteiro, mas, esta vitória não é mais do que o prelúdio do triunfo do trabalho sobre o capital.
III

Quando o regime feudal foi derrubado e a "livre" sociedade capitalista viu a luz do dia, tornou-se imediatamente claro que essa liberdade representava um novo sistema de
opressão e exploração dos trabalhadores. Como reflexo dessa opressão e como protesto
contra ela, começaram imediatamente a surgir diversas doutrinas socialista. Mas, o
socialismo primitivo era um socialismo utópico. Criticava a sociedade capitalista,
condenava-a, amaldiçoava-a, sonhava com a sua destruição, fantasiava sobre um regime
melhor, queria convencer os ricos da imoralidade da exploração.
Mas, o socialismo utópico não podia indicar uma saída real. Não sabia explicar a
natureza da escravidão assalariada no capitalismo, nem descobrir as leis do seu
desenvolvimento, nem encontrar a força social capaz de se tornar a criadora da nova
sociedade.
Entretanto, as tempestuosas revoluções que acompanharam em toda a Europa, e
especialmente em França, a queda do feudalismo, da servidão, mostravam cada vez com
maior clareza que a luta de classes era a base e a força motriz de todo o
desenvolvimento.
Nenhuma vitória da liberdade política sobre a classe feudal foi alcançada sem uma
resistência desesperada. Nenhum país capitalista se formou sobre uma base mais ou
menos livre, mais ou menos democrática, sem uma luta de morte entre as diversas
classes da sociedade capitalista.
O gênio de Marx está em ter sido o primeiro a ter sabido deduzir daí a conclusão
implícita na história universal e em tê-la aplicado conseqüentemente. Tal conclusão é a
doutrina da luta de classes.
Os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e do
próprio e continuarão a sê-lo enquanto não aprendem a descobrir por trás de todas as
frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os interesses de
uma ou de outra classe. Os partidários de reformas e melhoramentos ver-se-ão sempre
enganados pelos defensores do velho, enquanto não compreenderem que toda a
instituição velha, por mais bárbara e apodrecida que pareça, se mantém pela força de
umas ou de outras classes dominantes. E para vencer a resistência dessas classes só há um meio: encontrar na própria sociedade que nos rodeia, educar e organizar para a luta, os elementos que possam - e, pela sua situação social, devam - formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo.
Só o materialismo filosófico de Marx indicou ao proletariado a saída da escravidão
espiritual em que vegetaram até hoje todas as classes oprimidas. Só a teoria econômica de Marx explicou a situação real do proletariado no conjunto do regime capitalista.
No mundo inteiro, da América ao Japão e da Suécia à África do Sul, multiplicam-se as
organizações independentes do proletariado. Este se educa e instrui-se travando a sua
luta de classe; liberta-se dos preconceitos da sociedade burguesa, adquire uma coesão cada vez maior, aprende a medir o alcance dos seus êxitos, temperam as suas forças e cresce irresistivelmente.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A RIQUEZA DAS NAÇÕES - ADAM SMITH

Quando se pensa em economia, imediatamente um nome surge: Adam Smith. Considerado o pai da “triste ciência”, Smith sistematizou, em pleno século XVIII, o estudo do moderno sistema econômico capitalista, que se caracteriza por ser constituído por economias de mercado, onde as decisões de produção são descentralizadas e a livre iniciativa é peça-chave da engrenagem que visa ao lucro e à acumulação de capital.
Smith afirma que o interesse pessoal constitui-se enquanto elemento comum a qualquer sociedade a peça básica da motivação humana. O interesse pessoal seria composto por fatores paradoxais que fazem interagir a auto-preservação (auto-estima, egoísmo) com a simpatia (altruísmo). Egoísmo e simpatia são, para ele, as forças de atração e repulsão na sociedade que determinam sua dinâmica de funcionamento.
È centrado no indivíduo e em seu interesse pessoal que identifica duas características presentes em qualquer indivíduo: poupar, e trocar. A tendência inata a poupar estaria ligada ao homem livre viver o presente vislumbrando o futuro, tomando precauções contra incertezas. Por outro lado a troca provém da própria necessidade de interação, especialização e sua relação com a sobrevivência humana. Estes dois elementos configuram-se como essenciais na análise smithiana da economia de mercado. Basta ver que a conseqüência básica da tendência inata a poupar, a acumulação de capital é vista por Smith como essencial para o aumento da produtividade, dependente que é do elemento central que é o instituto da propriedade privada. Contudo, o aumento da produtividade, e o incremento da riqueza das nações, encontram fundamentos não só na acumulação capitalista, mas também na interação entre esta e a lógica do mercado. Quanto mais amplo o mercado, maiores as trocas e, por conseguinte, maior divisão do trabalho. Divisão social do trabalho é fator-chave no aumento da produtividade e, logo, da produção, do emprego e do crescimento econômico. A divisão do trabalho encontra-se fundada numa lógica que interage o trocar (o mercado) e o poupar (a acumulação de capital), e é a semente da economia de mercado.
Portanto, o objeto central da teoria econômica para Adam Smith é a produção em seu aspecto social. Ou seja, a riqueza das nações observada como fruto do trabalho humano, e, por isto, se detendo nas questões objetivamente humanas e sociais do trabalho, com a maior ou menor eficácia relacionada ao modo como se emprega a divisão social do trabalho. Não é por acaso que, por exemplo, sua Teoria do valor-trabalho se fundamenta na importância do valor de troca e da quantidade de trabalho incorporado nas mercadorias.
A construção intelectual de Smith tem no princípio da mão-invisível, proveniente da própria natureza humana, um importante elemento. Fundado na idéia do interesse individual, como o sistema de livre mercado, o princípio da mão-invisível é apresentado como uma espécie de amálgama que age na realização do objetivo difuso ao ser uma totalização dos mais diversos objetivos individuais. Porque, como coloca Smith (1976) na sua obra:

“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro, ou do padeiro, que se pode esperar o nosso jantar, mas de que cuidem dos seus próprios interesses”.

E, acrescenta:

“Assim como cada indivíduo tenta, tanto quanto pode, empregar o seu capital em apoio à indústria nacional quanto direcionar a indústria de forma que o seu produto possa ser o de maior valor; cada indivíduo trabalha necessariamente para tornar a renda anual da sociedade tão grande quanto pode. Ele geralmente, na verdade, nem tem a intenção de promover o interesse público, nem sabe o quanto está a promovê-lo. Ao preferir o apoio à indústria doméstica ao apoio à indústria estrangeira, leva em conta apenas sua própria segurança, e ao direcionar a indústria de modo que a sua produção poderá ser a de maior valor, pretende apenas seu próprio ganho, e ele está, neste, como em muitos outros casos, conduzido por uma mão invisível a promover um fim que não era parte da sua intenção. Nem é sempre o pior para a sociedade que não seja parte da mesma. Ao perseguir o seu próprio interesse ele freqüentemente promove o da sociedade de forma mais efetiva do que quando ele realmente tem a intenção de promovê-lo”

É preciso ver que a felicidade concebida por Smith existe a partir da acumulação de bens materiais.

Também Smith tem influências claras do hedonismo, segundo o qual se deve buscar a maximização do prazer com mínimo de esforço. A integração entre liberdade e felicidade, para ele, acontece de forma adequada numa economia mercantil, que passa a tomar de empréstimo o lema dos fundadores dos Estudos Unidos da América: life, liberty and the pursuit of happiness (Vida,liberdade e busca da felicidade). Seu mérito indiscutível é de ter defendido a liberdade econômica de forma inovadora numa época que se caracterizava por restrições ao comércio e ao lucro e, pela primeira vez, ter vislumbrado o que, até hoje, escapa a muitas pessoas que é a evidente interdependência entre liberdade de iniciativa econômica e liberdade política, sendo a economia de mercado, um elemento essencial para o alcance efetivo da democracia, pois, apenas neste sistema são observados os direitos individuais, a liberdade de oportunidade e liberdade de pensamento.
A mão invisível seria, em última instância, o elemento ordenador entre o egoísmo e a simpatia humanos. Porém, é preciso ver que a concepção de ser humano que a mesma carrega subjacente, destaca a importância do trabalho e da interação social dentro da economia de mercado como pilar fundamental de sua própria existência, demarcando o território da interdependência. Esta nova visão utilitarista foi perdida nas modernas análises econômicas, mas, é essencial para a compreensão da economia de mercado como vista por Smith. Nele há, por trás da economia, um pensamento teórico-filosófico que tem como elemento inicial as regras de justa conduta, isto é, os limites éticos e jurídicos que, por meio da persuasão/coerção, impedem os indivíduos de causar danos a terceiros com suas ações particulares no mercado, garantindo dessa forma a responsabilidade individual e um elevado grau de confiança.
Uma segunda característica marcante do mercado é a divisão social do trabalho, considerado o melhor e mais eficiente meio de cooperação humana. Com a divisão do trabalho, os indivíduos, na busca de seus próprios interesses, ocupam uma função especializada no processo de mercado de acordo com suas disposições e capacidades, dependendo, assim, uns dos outros para inteira satisfação de suas necessidades materiais. Em seguida, vale lembrar que, pelo menos em princípio, a economia mercantil caracteriza-se pela existência da soberania do consumidor, onde o conjunto das preferências individuais determina, em última instância, o uso dos fatores de produção da sociedade.
Em Smith, o sistema de preços transmite informações acerca da oferta e da procura de bens e serviços no mercado, valorando as diferentes preferências dos consumidores. O sistema de preços é caracterizado por um mecanismo espontâneo que desempenha a tarefa de permitir que as pessoas cooperem umas com as outras para promover interesses distintos, sem recorrer à centralização. A lei da oferta e da demanda seria o grande motor a partir do qual os sinais são emitidos acerca dos indicadores de mercado.
A função empresarial, cujo objetivo principal é descobrir, visando o próprio interesse, oportunidades de obtenção de lucro que até então não haviam sido percebidas por outras pessoas, apresenta-se enquanto um quinto fator caracterizador da economia de mercado. Neste contexto, o lucro e a perda empresarial derivam da incerteza dos indivíduos quanto à futura composição da oferta e da procura que determinará o sistema de preços. Ressalte-se que a competição demarca o espaço econômico mercantil, no qual as pessoas devem procurar superar seus concorrentes oferecendo aos consumidores bens e serviços melhores e mais baratos, enquanto os compradores devem superar uns aos outros oferecendo preços mais elevados por produtos escassos.
O elemento essencial, talvez o principal, para a compreensão da lógica de funcionamento de uma economia de mercado, é a existência da liberdade de iniciativa. Esta liberdade, segundo a qual o indivíduo, desde que não cause danos a terceiros, é livre para escolher as diversas possibilidades de ação sem ser reprimido pelo Estado ou por outros membros da sociedade, é a base constitutiva da economia mercantil, sendo inclusive considerada como um fim em si mesmo, o que esclarece de forma contundente o perfil libertário e individualista do modelo econômico em análise.
Por fim, se assinala a desigualdade de riqueza e de renda como último fator que da cena econômica de mercado. È a desigualdade no sistema de livre mercado uma decorrência necessária da liberdade individual, que leva a processos distintos de acumulação de riquezas dentro da sociedade e é uma de suas mais preciosas fontes de expansão.
São, portanto, pressupostos do funcionamento eficiente da economia de mercado: a) os agentes econômicos com liberdade de ação, não devendo existir qualquer tipo de coerção, salvo as necessárias regras do jogo; b) os preços vigentes devem necessariamente espelhar o grau relativo de escassez de bens e serviços; c) as trocas necessitam ser uma soma positiva; d) os agentes econômicos agem racionalmente, podendo internalizar os ganhos ou externalizar os custos de suas ações sobre terceiros; e) existência de divisibilidade na oferta e demanda por bens e serviços.
Num modelo de economia de mercado, um modelo com fundamentos liberais, o papel a ser desempenhado pelo Estado é o de prover instrumentos para a defesa da lei e ordem, interferindo o mínimo possível na vida econômica de um país.

Um resumo brevissímo de capítulos de Smith

Introdução

Para Adam Smith existiria um fundo que fornece durante todo o ano os bens necessários e os confortos materiais que as pessoas podem consumir, este fundo é conseguido por meio do trabalho anual ou daquilo que pode ser comprado com esra produção. A proporção do que se produz ou se compra com a quantidade de consumidores existentes é que diz se a nação será mais ou menos bem suprida de tudo aquilo que se precisa. Esta proporção deve ser regulada por duas circunstâncias diferentes: 1) pela habilidade, destreza e bom senso com os quais seu trabalho for geralmente executado, e 2) pela proporção entre o número dos que executam trabalho útil e dos que não executa. A abundância ou escassez depende mais do item . Numa sociedade civilizada, a produção, é tão grande que todos dispõem de suprimentos abundantes, e um trabalhador mesmo o mais pobre, se tiver habilidade e destreza, pode desfrutar de uma porção maior de bens necessários e confortos materiais, do que qualquer selvagem pode ter.
O exame da grande variedade de trabalhos empregados em cada uma das etapas da produção de uma roupa que um trabalhador usa, demonstra que sem a ajuda de muitos milhares não seria possível prover as necessidades, nem mesmo de uma pessoa de classe mais baixa de um país civilizado, por mais que se imagine que tais pessoas precisem de muito pouco para viver.

Capítulo I – A Divisão do Trabalho

A divisão do trabalho é a grande causa do aumento das suas forças como se compreende melhor, considerando um exemplo específico, como é o da fabricação de alfinetes. O efeito é semelhante em todos os negócios e também na divisão das ocupações. A vantagem deve-se a três circunstâncias:
(1) aperfeiçoamento da destreza;
(2) economia de tempo;
(3) utilização de máquinas, inventadas pelos trabalhadores, ou então pelos fabricantes de máquinas e filósofos.
Daí provém à opulência geral de uma sociedade bem governada


Capítulo II – Primeiro livro - O Princípio que dá Origem à Divisão do Trabalho

Esta divisão do trabalho provém da natureza que o homem sempre teve em intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra. “A diferença entre os homens e os animais, é que somos mercantis, fazemos trocas”. Numa sociedade civilizada, o homem a todo o momento necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a amizade de algumas pessoas. O homem tem necessidade quase constante de ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa. É isto o que faz




toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer – esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. Somos estimulados pelo interesse próprio e por isso levamos a divisão do trabalho, dando assim origem às diferenças de talento, mais importantes do que as diferenças naturais, tornando úteis essas diferenças.

Capítulo II – Segundo livro – Restrições à Importação de Mercadorias Estrangeiras que Podem Ser Produzidas no Próprio País

São muito comuns altas taxas e proibições assegurando um monopólio para determinada indústria nacional. Elas estimulam a indústria específica, mas não aumentam a atividade geral nem lhe asseguram a melhor orientação. O número de pessoas empregadas não pode exceder certa proporção do capital da sociedade e o interesse de cada indivíduo leva-o a procurar emprego de capital mais vantajoso para a sociedade.

1) O indivíduo procura aplicar seu capital o mais perto possível de sua residência.
2) Ele procura produzir o valor máximo possível.

Ele tem muito mais condições de avaliar isto do que o estadista. As altas taxas alfandegárias e as proibições de importar induzem as pessoas a empregar capital em produzir no país àquilo que poderiam comprar mais barato do exterior. Tanto para um indivíduo como para uma nação é insensatez produzir aquilo que se pode comprar mais barato de outros. Às vezes, em virtude das restrições à importação, uma manufatura pode ser estabelecida com maior rapidez do que ocorreria de outra forma, mas em compensação o acúmulo de capital seria mais lento, e o país sempre poderia continuar exatamente tão rico quanto o seria se nunca tivesse adquirido a manufatura. Ninguém propõe que um país lute contra grandes vantagens naturais, mas é também absurdo lutar contra vantagens menores, quer naturais ou adquiridas.